Autismo na vida adulta: desafios e possibilidades do diagnóstico
Quando pensamos no Transtorno do Espectro Autista (TEA), é comum associarmos o diagnóstico à infância. De fato, nos últimos anos houve grande avanço na detecção precoce, permitindo que muitas crianças tenham acesso a intervenções que favorecem o desenvolvimento e a qualidade de vida. No entanto, isso não significa que o autismo se restrinja à infância: também há adultos que recebem esse diagnóstico.
Receber um diagnóstico de TEA na vida adulta pode ser um divisor de águas. Para alguns, significa finalmente compreender aspectos de sua trajetória que antes eram interpretados como exagero, “drama” ou “frescuras”. Uma pesquisa publicada na revista científica Research, Society and Development em 2022, aponta que essa identificação pode trazer alívio, por possibilitar a autoaceitação e abrir portas para estratégias de cuidado e suporte mais adequadas.
É importante lembrar que o diagnóstico não deve ser entendido como uma sentença limitadora, mas sim como um caminho que pode orientar recursos e fortalecer a autonomia. Muitas vezes, ele ajuda a reorganizar narrativas pessoais, reduz o sentimento de inadequação e permite acessar direitos antes negligenciados.
Existem diferentes motivos que explicam o atraso na identificação. Outra pesquisa publicada na Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria em 2023 afirma que um deles está na própria história recente do autismo: até os anos 1980, ele ainda era confundido com quadros psicóticos, e somente depois foi reconhecido como condição do neurodesenvolvimento. Essa mudança gerou uma “geração perdida”, de pessoas que cresceram sem a possibilidade de ter o diagnóstico.
Além disso, a heterogeneidade do espectro faz com que muitos adultos apresentem sinais sutis, frequentemente mascarados por estratégias de adaptação social. É o chamado fenômeno da camuflagem, em que a pessoa aprende a copiar gestos, expressões ou padrões de fala para parecer “adequada” em interações, o que pode retardar ou dificultar a avaliação clínica. Outro ponto relevante é que comorbidades, como ansiedade e depressão, podem se sobrepor aos sintomas, desviando o olhar clínico e levando a diagnósticos equivocados ou incompletos
A ausência de diagnóstico na infância não significa que nada possa ser feito na vida adulta. Pelo contrário, receber a avaliação correta pode transformar a forma como a pessoa compreende suas relações, sua saúde mental e até mesmo seu percurso profissional. Os estudos citados mostram que, embora o atraso no diagnóstico traga prejuízos como maior risco de sofrimento psíquico e isolamento social, ele também pode representar um ponto de virada, a partir do qual se constroem novas redes de apoio e estratégias de cuidado.
Hoje, cresce a compreensão de que os serviços de saúde precisam se preparar melhor para atender adultos com TEA. Isso inclui avaliações feitas por equipes multiprofissionais, capazes de considerar o histórico de vida, as adaptações construídas e as particularidades de cada contexto. Ao mesmo tempo, há um chamado para que mais pesquisas e políticas públicas incluam essa população, reconhecendo suas demandas específicas.
Se por um lado o diagnóstico precoce é fundamental para reduzir impactos e ampliar possibilidades de desenvolvimento, por outro é essencial lembrar que nunca é tarde para compreender e cuidar. O TEA em adultos traz à tona não apenas os desafios da avaliação clínica, mas também a chance de promover inclusão, qualidade de vida e respeito às singularidades.
Referências
NALIN, L. M. et al. Impactos do diagnóstico tardio do transtorno do espectro autista em adultos. Research, Society and Development, v. 11, n. 16, e382111638175, 2022. DOI: https://doi.org/10.33448/rsd-v11i16.38175.
RONZANI, L. D. et al. Diagnóstico do transtorno do espectro autista do adulto: armadilhas e dificuldades diagnósticas. Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria, v. 27, n. 2, p. 15-24, 2023. Disponível em: http://www.revneuropsiq.com.br.